Segunda-feira, uma hora da tarde, as crianças se agitam no
pátio da pequena escola. A escola é na verdade um galpão rodeado por árvores,
numa propriedade da zona rural. Dentro da escola, sentado à sua mesa, o
professor ouve as crianças lá fora, algumas contando como foi o fim de semana
sem aulas, algumas meninas cantarolam cantigas de roda, os meninos gritam
balança caixão, algumas meninas mais aplicadas já estão sentadas nos seus
lugares. O professor consulta seu relógio de bolso, enxuga o suor da testa e toca
o sino. Ao ouvir o sino, as crianças se apressam para a sala de aula.
Crianças de diferentes idades e
nível escolar dividem o mesmo espaço. A lousa é dividida de forma que cada
série escolar tenha um espaço onde a matéria será exposta. Os meninos da segunda
série do primário ocupam duas fileiras de carteiras na sala de aula.
O professor passa a matéria para
as crianças do pré e da primeira série. Enquanto isso, os meninos conversam por
meio de bilhetinhos escondidos e dão risadas abafadas, por medo do professor. A
comunidade rural não é tão grande e aquelas crianças ali da sala são, em sua
maioria, parentes, irmãos, primos ou de famílias amigas.
Nas carteiras do fundo, dois
meninos se cutucam, jogam bolinhas de papel um no outro e não percebem que o professor
já está escrevendo matéria na lousa da segunda série. Assim que completa o
espaço ele se volta para as crianças para tomar a matéria. Enquanto aguardava
dar a hora da aula, o professor ouvia os meninos falando sobre as brincadeiras
que gostavam, sobre as cantigas que gostavam e teve a ideia de questionar as
crianças sobre o que elas gostavam.
Você gosta do quê?
Eu gosto de cantar.
Você gosta do seu cavalo?
Eu gosto do meu cavalo.
Menino, você aí no fundo, você
gosta do seu pai?
Não, professor.
O professor questiona novamente:
você gosta da sua mãe?
Não.
Se tivesse acontecido hoje,
talvez essas respostas assustassem, mas naquela época as crianças não tinham
esse entendimento de gostar de pai e mãe. Essas figuras eram vistas como
pessoas que sempre estavam dando bronca ou punindo.
Então o professor pergunta:
menino, do que é você gosta?
Eu gosto de doce de mamão.
O riso foi geral na sala. Apelido
que você não gosta é aquele que vai te acompanhar para o resto da vida. Aquele
menino que lançava as bolinhas de papel no outro, nunca esqueceu do apelido e
sempre chama o colega de “doce de mamão”.
O menino cresceu, saiu da
fazenda, veio para a cidade, trabalhou, casou e teve sua primeira filha. A mãe
andava no quintal da casa com a menininha no colo, todos os dias, mostrando
tudo em volta e dando nomes, na esperança que a filha, ao ouvir, pronunciasse
sua primeira palavra. Ao passar pelo pé de mamão, a mãe mostra e diz:
Olha lá o mamão.
A menininha, com os olhos muito
arregalados diz sua primeira palavra: mamão.
___________________________________________
Essa é a história do apelido do meu pai e da minha
primeira palavra. Pensando bem nessa história hoje, vejo que quando disse “mamão”
talvez fosse Deus dizendo “papai”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário